Todo Teu

“Eu sinto, Senhor, vossa providência que se compraz em fazer como a vigilante dona de casa a percorrer, lanterna em punho, os desvãos esquecidos onde talvez se aninhe o lixo sórdido ou o roubo cauteloso.

Penetrais às vezes no meandro de mim mesmo, e para eu não brade como quem se sente cercado de ladrões, Vós me tomais pela mão e me fazeis companheiro de vossa sindicância amorosamente severa.

(…)

Eu enrubesço com o pensamento de que vossos olhos se ofenderão ao encontrar nesta casa, templo do vosso Espírito Santo, não só as ninharias e frivolidades do mundo, que ainda não varri, embora as tenha recuado para um cantinho discreto, que sabe mesmo para vos enganar a Vós e a mim próprio, mas ainda as miseráveis reservas do meu amor louco, por mim dissimuladas dolorosamente, mísero que sou, como se as pudera ocultar de Vós que me contempláveis ainda antes que eu fosse, e pensando furta-me àqueles olhos de vossa repreensão meiga e tão funda a que não resistem as pobres lágrimas de meu arrependimento…

Hoje, Jesus, Vós me forçais a descer convosco nestes recônditos escuros, iluminais as minhas trevas. Nesta dobra, mestre, há sim alguma coisa encoberta. (…) Eu reconheço que há demência de amor-próprio e

interesse de meus confortos. Eu não tenho recebido nem praticado a vosso lição de renúncia absoluta. Mas venho, pé ante pé, o caminho de menos espinhos, fugindo cauteloso, o outro mais duro, mentindo a mim mesmo que posso escolher porque Vós os colocais a ambos diante dos meus passos…

E me esqueço que Vós não fizestes assim, quando a mim destes toda a dedicação do vosso amor infinito. E não me lembro de que podíeis salvar-me com uma gota e escolheste um oceano. E não vos satisfizestes com uma pequenina lágrima,´pérola que rolásseis da conchinha de vossos olhos de Infante Divino, como um orvalho doce deslizado na relva.

Mas preferistes chorar todas as vossas lágrimas, e esgotada a fonte destas, transformastes em suor de agonia o vosso sangue, para afinal mergulhardes vossa dileção sem medidas nas águas de um mar imenso de tortura, nem permitindo que o último amorável recesso de vosso coração retivesses somente a relíquia preciosa dos derradeiros rubis de vosso sangue, e os entregastes também, juntamente com as últimas lágrimas que o vosso amor não pudera chorar.

Basta, Senhor, basta, já não resisto. Não me faleis nada mais, que meu coração desfalece. Eu vos amo, sim, Jesus, eu o quero provar.

(…)

Se me quereis satisfeito, Jesus, aceitai minha oblação: eu não tenho outro anelo de mais completa felicidade.

É a Vós mesmo que achareis realizando este desejo, porque vosso amor de Cruz entrou me no coração.

Que ele se faça, pois. Assim seja.

(SIQUEIRA, Dom Antônio Maria Alves de. Elevações. São Paulo: Edições Loyola, 1994. P.27)

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